segunda-feira, 7 de maio de 2007

Irredutíveis

O 1S1O já vai na terceira semana e eu ainda não sugeri coisa alguma. Nem percebo como é que o Espaço XXI 7 não começa por aqui a vociferar e a marcar faltas! Bom, esta marmelada tem de acabar e é já!

Pois bem, gostaria de vos sugerir dois espectáculos iluminado pela melhor isenção que consigo imaginar: não vi nenhum deles, não sou amigo de gente de lá, não são do meu bairro, não faço a menor ideia se prestam, e nem sei o preço dos bilhetes. Sugiro-os apenas porque são criações de irredutíveis. Irredutíveis que, como explicam os pacientes dicionários, pertencem à raça do que não se pode reduzir, não se pode simplificar, não se pode aplacar, não se pode converter, não se pode vencer. Gente do caraças, portanto. Falo da
«Variação sobre a Última Gravação de Krapp», pela Casa Conveniente, e do «Já Viram Isto?», pelo
Teatro Maria Vitória.

Sofro da vulgaridade de ter uma paixão pelo teatro, mas a
Revista deixa-me indiferente. Pior que indiferente, deixa-me idiota. Aquilo é para ter piada e eu não consigo perceber onde está a suposta dita. Vejo-me numa sala inteira que se ri a bandeiras despregadas enquanto decorre uma incompreensível cena entre uma varina e um chui, e os meus olhos procuram pelo raio do televisor onde devem estar a passar o episódio do Mr. Bean que justifique toda aquela galhofa. Evito o Teatro de Revista com a mesma determinação que evito discussões em torno do pós-modernismo: são temas que me ultrapassam e desconfio predisponham ao herpes labial. Todavia tenho um fraquinho pelo Maria Vitória, confesso. Porque.

Porque o Maria Vitória fica no Parque Mayer, um local de Lisboa excelentemente dedicado à falsidade política, à especulação sobre dinheiros públicos e à caca dos pombos. Em tempos albergou quatro teatros vivos: além do Maria, o Variedades, o ABC e o
Capitólio, este último obra-prima do modernismo português e do Arq. Cristino da Silva, hoje transformado num destroço, num monumento à falta de vergonha da minha cidade. Só o Maria se conserva vitorioso a mostrar Revista. Quem entre no nojo em que está hoje o Parque Mayer compreenderá o valor de quem consegue ali manter um teatro comercial a funcionar. Com certeza, só gente extraordinária conseguirá tal feito. E gente dessa merece respeito. E mais que respeito, merece plateias cheias. Plateias mesmo muito cheias, que diacho!

Já a Casa Conveniente é um pequeno teatro localizado no Cais do Sodré, enfiado entre os melhores bares do disto e daquilo de Lisboa – pelo menos a fazer fé na opinião do rum mais experiente: o exalado pela excelência do arroto sabido dos marinheiro que aportam à capital. Mas, esquecendo os bares, o que se representa na Casa Conveniente? Assim de repente lembro-me de Fassbinder, Tchekov, Rimbaud, Handke, Heiner Müller, creio, Beckett, ah, e agora Beckett outra vez. A sua directora – a Sra.
Mónica Calle – não faz a festa por menos. Embora...

Embora não seja fácil ver-se teatro na Casa Conveniente. Quase sempre se fica com dores nas costas, que a ideia de fornecer conforto aos espectadores é um exclusivo da concorrência dos bares vizinhos.
Por vezes partem-se uma lâmpadas e há uns estilhaços a voar; também já vi caírem móveis de metal em cima de espectadores; e num curioso espectáculo aq
ui há tempos, o público participava em actividades de construção civil – este vosso, por exemplo, viu-se uma vez a percorrer a noite de meio Cais do Sodré com um saco de cimento na mão, ou de areia, já nem sei bem. Mas tudo isto é compreensível dada a composição quase sempre exclusivamente feminina da companhia – estivesse aquilo na mão de homens e por certo outra delicadeza seria oferecida às actividades.

Chega! Creio haver-vos convencido que Maria Vitória e Casa Conveniente pertencem à nobre espécie dos irredutíveis. Agora, convencer-vos a entrar em casa de indomáveis, isso não pretendo. Pode ser perigoso. Se calhar nem vos devia ter sugerido tal coisa... Olha, o melhor é não irem ver nada disto, OK? Esqueçam as minhas sugestões. Há por aí muito D. Maria II e assim. Ai, ai, por favor, tenham-me lá juízo!


(Fotografia do topo extraída do sítio da Casa Conveniente. Imagem de baixo, cartaz da Revista em cena no Maria Vitória).

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